BRASÍLIA E RIO – Levantamento realizado pelo Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crimes (UNODC, sigla em inglês), divulgado nesta quinta-feira, alerta para o risco do elevado consumo de drogas nos países em desenvolvimento, e mostra que o Brasil lidera índices preocupantes no mercado mundial, com aumento do consumo de cocaína, maconha e ecstasy. (Leia mais: Rebeldes no Afeganistão e na Colômbia puxam produção mundial de ópio e cocaína)
O Relatório Mundial sobre Drogas de 2008 informa que o Brasil tem cerca de 870 mil usuários de cocaína e que o consumo aumentou de 0,4% para 0,7% entre pessoas de 12 a 65 anos, no período entre 2001 e 2004, o equivale a créscimo de cerca de 75%. O Brasil é o segundo maior mercado das Américas, com 870 mil usuários, atrás apenas dos Estados Unidos, com cerca de seis milhões de consumidores.
O consumo de maconha subiu de 1% para 2,6%, o maior aumento da América Latina no período entre 2001 e 2005, cerca de 160% de acréscimo. A ONU não dispõe de dados específicos sobre o ecstasy mas, com base no crescente número de apreensões realizadas no país, indica também um crescimento do consumo. ( Leia sobre o Brasil no relatório – pdf em português) )
O estudo diz ainda que o Brasil tem o maior mercado de opiáceos (derivados de ópio) e o maior índice de prevalência anual – uso pelo menos uma vez ao ano – de anfetamínicos na América do Sul. As anfetaminas são legais, mas têm uso controlado.
Os dados utilizados na pesquisa são de 2001 e 2004, período dos últimos levantamentos realizados pelo governo federal. Uma nova pesquisa está sendo preparada pelo governo e a expectativa é de que os números atuais sejam ainda mais preocupantes.
O chefe do escritório da UNODC para o Brasil e Cone Sul, Giovanni Quaglia, afirma que o percentual de consumidores no Brasil é bem menor que no Chile, Argentina e outros países da América do Sul.
- A margem para o aumento de consumo do Brasil ainda é muito grande – disse Quaglia.
De acordo com o relatório, o uso de drogas ilícitas tem se mantido estável no mundo nos últimos anos, mas o controle está sob ameaça devido ao aumento da oferta e o desenvolvimento de novas rotas do tráfico – a maioria via África -, que pode fortalecer a demanda nos países desenvolvidos, onde ela já existe, e criar novos mercados para algumas das substâncias mais perigosas do mundo, principalmente em países em desenvolvimento.
Sudeste e Sul são regiões mais afetadas pela cocaína
Pesquisas domiciliares realizadas no Brasil mostraram o aumento na prevalência anual de consumo da cocaína de 0,4% da população entre 12 e 65 anos em 2001 para 0,7% em 2005. O Sudeste e o Sul do país são as áreas mais afetadas pelo consumo da droga. O uso no Sudeste é de 3,7% da população adulta, e no Sul é de 3,1%. Já nas regiões Norte e Nordeste, o uso de cocaína chega a 1,3% e 1,2%, respectivamente.
O estudo constatou o aumento de atividades de grupos ligados ao tráfico de cocaína nos estados da região Sudeste do país, o que pode indicar que há mais droga disponível nessas áreas. Segundo o levantamento, o território brasileiro tem sido crescentemente explorado por grupos do crime organizado internacional que buscam pontos de trânsito para os carregamentos de cocaína que vêm da Colômbia, Bolívia e Peru, e seguem para a Europa. O relatório afirma que é provável que o fato tenha aumentado a oferta da droga para o mercado doméstico brasileiro.
Brasil tem o maior aumento no consumo de maconha da América Latina
Em relação à maconha, o Brasil apresenta o aumento mais importante de consumo na América Latina, o que, segundo o relatório, reflete o aumento na disponibilidade de derivados de cannabis (maconha e haxixe) do Paraguai. A prevalência anual do uso de maconha mais que dobrou entre 2001 e 2005: passou de 1% para 2,6%. A América do Sul – incluindo Caribe e América Central – foi responsável por 12% das apreensões globais de maconha em 2006. Neste ponto, o Brasil também lidera as estatísticas, com 167 toneladas apreendidas. Em seguida, estão Bolívia (125t), Colômbia (110t), Argentina (67t), Paraguai (59t) e Jamaica (37t).
Consumo de anfetamínicos e opiáceos também é alto
O relatório também ressalta os índices do uso de anfetamínicos (anfetaminas e estimulantes sintéticos) registrados em pesquisas domiciliares realizadas na América do Sul, onde o Brasil tem o maior índice de prevalência anual. De acordo com o levantamento, as doses diárias definidas (por mil habitantes) de estimulantes produzidos licitamente nas Américas chegaram a 11, no período de 2004 a 2006. Em 2006, Argentina e Brasil tiveram respectivamente o primeiro e o terceiro índice mais elevado de uso de estimulantes: cerca de 17 e 10 doses diárias por mil habitantes.
As pesquisas relacionadas ao uso de ópio apontam que o Brasil apresenta o maior mercado na América do Sul, com cerca de 600 mil usuários, ou 0,5% da população entre 12 e 65 anos. A maior parte dessas pessoas faz uso de opiáceos sintéticos. A prevalência anual de heroína é baixa, menor que 0,05% da população adulta.
O Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime é a agência da Organização das Nações Unidas (ONU) responsável pela prevenção às drogas e pelo enfrentamento ao crime internacional, em seus mais diversos aspectos. Estabelecido em 1997, o UNODC tem aproximadamente 500 funcionários no mundo todo. A sede do escritório fica em Viena, na Áustria, e há 21 escritórios em outros países e um escritório em Nova York, junto à sede da ONU. Quase todo o orçamento do escritório (90%) vem de contribuições voluntárias dos países doadores.
Foram recolhidas pela PF este ano 8,8 toneladas de cocaína
A tendência de aumento do consumo é confirmada, em parte, pela Polícia Federal. Segundo o delegado Paulo de Tarso, coordenador-geral de Repressão a Entorpecentes da PF, até o fim do ano todos os recordes em volume de apreensão de cocaína, maconha e ecstasy, entre outras drogas serão batidos pela instituição. Este ano, a PF já apreendeu 8,8 toneladas de cocaína, 60 toneladas de maconha e 80 mil comprimidos de ecstasy. O UNODC faz os relatórios anuais com base em informações da Polícia Federal. Os levantamentos não incluem as drogas apreendidas pelas polícias civis e militares.
- Hoje, não temos estatísticas das polícias estaduais. Se tivéssemos, o volume de drogas apreendida seria bem maior – disse Tarso.
O delegado afirmou que o aumento do tráfico de pasta base de cocaína, usada na produção de crack e merla,preocupa muito. O consumo dessas drogas estaria crescendo entre jovens de baixa renda nos grandes centros urbanos. A pasta base estaria sendo produzida em abundância na Bolívia e vendida no Brasil por falta de competitividade com a cocaína da Colômbia, a preferida nos mercados europeu e americano.